Marina Hirota é professora associada do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina, onde leciona para os cursos de graduação em meteorologia e engenharias, e pós-graduação em ecologia. Possui formação acadêmica multidisciplinar com doutorado em meteorologia pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e mestrado e graduação pela UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) em engenharia de computação e matemática aplicada, respectivamente. Dedica-se a combinar ferramentas matemáticas e computacionais na compreensão mecanicista da dinâmica e resiliência de sistemas vegetação-clima, especialmente na América do Sul tropical, e dos efeitos de perturbações como mudanças climáticas, incêndios e desmatamento, resultando em potenciais alterações na distribuição atual da vegetação.
“Esse tempo na Resiliência: Residência Artística me relembrou como heterogeneidade e conectividade estão intimamente associadas à transformação do planeta, com os humanos interagindo e fazendo parte do sistema terrestre. As diferentes dimensões da diversidade – de espécies, de funções, de histórias de vida, de condições à nossa volta – implicam que responderemos de formas diferentes aos mais variados tipos de perturbação. Ou seja, nossa resposta sistêmica poderá ser mais ou menos catastrófica e dependerá fortemente da conectividade que existe entre os diferentes ecossistemas do planeta e, também e especialmente, entre nós e estes ecossistemas.”
Ressignificando tipping points e resiliência com ciência e arte
Gostaria de iniciar com duas perguntas: quando você ouve a expressão tipping point, qual a imagem formada em sua mente? E resiliência? Peço que guardem essas questões, pois iremos retornar a elas adiante, enquanto exploramos os significados destas noções no trabalho que venho desenvolvendo desde que me apaixonei pelo tema há alguns anos.
Desde o início dos anos 2000, o termo tipping point tem sido utilizado para descrever o colapso de ecossistemas e do sistema terrestre como um todo, referindo-se a configurações indesejadas que não necessariamente suportariam a vida no planeta Terra, como a conhecemos hoje. Até então, o termo mencionado era geralmente encontrado na literatura científica das ciências sociais para explicar mudanças abruptas ocorridas a partir de uma espécie de contágio dos padrões de comportamento. Ainda que descrevesse um colapso, não se tratava de algo necessariamente indesejado. Por exemplo, nos anos 90, observou-se – em apenas cinco anos – uma mudança radical em uma vizinhança de Nova Iorque: um local com taxas criminais altíssimas, pouca circulação de pessoas à noite e intenso tráfico de drogas transformou-se rapidamente em ruas movimentadas, em que não se ouviam mais ruídos associados aos crimes antes registrados. Ou seja, o termo parece ser ressignificado em função do campo científico em que é utilizado.
Por outro lado, o termo resiliência é menos dependente da área científica que o utiliza. Tanto nas ciências do sistema terrestre e da vida, quanto nas ciências sociais, ele identifica resistência, capacidade de recuperação, luta, persistência. Essa independência pode ser observada quando pensamos na ambiciosa necessidade de quantificar a pressão que um ecossistema como a floresta Amazônica pode suportar; ou quando pensamos na resistência de populações ao redor do mundo diante de guerras, catástrofes climáticas, e conflitos político-sociais. Acredito que valha, inclusive, uma menção a nossa própria situação político-social-econômica atual no Brasil, e a como a palavra resiliência aparece em conversas casuais que temos em diversas esferas.
Venho trabalhando e estudando a aplicação destes dois termos em diversos sistemas. Quando participei da Residência Artística na Silo, que leva exatamente o nome “Resiliência”, tive um tempo precioso para repensar esses termos e os ressignificar. Neste processo pessoal de tradução, acabei me deparando com eles em muitas conversas nas quais a arte e a ciência se interpenetravam. Relembrei os significados que catástrofe, colapso e persistência possuem na matemática, e percebi que o esforço de quantificar essas características (também com matemática), muitas vezes me levam, estranhamente, a imaginar um futuro no melhor estilo Mad Max, a partir dos tipping points.
Esse tempo na Resiliência: Residência Artística me relembrou como heterogeneidade e conectividade estão intimamente associadas à transformação do planeta, com os humanos interagindo e fazendo parte do sistema terrestre. As diferentes dimensões da diversidade – de espécies, de funções, de histórias de vida, de condições a nossa volta – implicam que responderemos de formas diferentes aos mais variados tipos de perturbação. Ou seja, nossa resposta sistêmica poderá ser mais ou menos catastrófica e dependerá fortemente da conectividade que existe entre os diferentes ecossistemas do planeta e, também e especialmente, entre nós e estes ecossistemas.
Enquanto para a vegetação, a conectividade se dá por meio da água, tanto pelos rios de superfície e pela atmosfera quanto pela transformação de líquido em gás e vice-versa, no processo de transpiração das plantas e de formação das nuvens; para nós, humanos, a tecnologia e a internet são e serão cada vez mais responsáveis pela propagação das perturbações que recebemos. Num passado recente, realizamos uma mudança quando vários países proibiram a fabricação de produtos que poderiam aumentar o buraco da camada de ozônio. Assim, podemos gerar tipping points sociais e manter uma configuração favorável à manutenção de uma biodiversidade cada vez mais resiliente no planeta. A transformação relacionada à camada de ozônio foi incrivelmente rápida e eficiente - e a internet ainda era discada! Imaginem o que podemos fazer agora. Fica este convite e essa grande responsabilidade.